Saúde e Direitos Humanos
20 de Outubro, 2022 2022-10-21 11:08Saúde e Direitos Humanos
Artigo de Opinião
Corria o ano de 1215, quando alguns súbditos do Rei João de Inglaterra o acusaram de ter violado um conjunto de leis antigas e costumes pelos quais o seu reino teria sido governado. O Rei foi forçado a assinar um documento que ficou conhecido como um dos documentos legais mais importantes no desenvolvimento da democracia moderna, a Magna Carta. Esta enumerava o que mais tarde vieram a ser considerados como direitos humanos, desde o direito à propriedade, a proteção contra impostos excessivos e a igualdade perante a lei.
A 10 de Dezembro de 1948, foi publicada a primeira Declaração dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), apenas três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Esta declaração defende o ideal comum a todos os povos e a todas as nações, através de um esforço coletivo, através do ensino e da educação, para a promoção do respeito dos direitos e liberdades individuais. Os seus artigos compõem a base das leis contemporâneas que defendem os direitos essenciais de todo o ser humano, como o direito à vida, à integridade física, à livre expressão e à associação, sem distinção de raça, cor, sexo, religião ou ideologia política.
Neste contexto, atualmente são postos em causa direitos humanos fundamentais um pouco por todo mundo. Se pensarmos em países economicamente subdesenvolvidos, países em guerra, temos cidadãos subjugados a líderes autocráticos, onde não existe uma imprensa livre e uma sociedade civil plural e dinâmica, populações que convivem com violações graves e reiteradas dos direitos humanos. O desrespeito pelos direitos humanos não é exclusivo dos países mais pobres. O grande fluxo migratório de refugiados de guerra para países da Europa central veio acentuar a ostracização de minorias étnicas e imigrantes, onde é feita a promoção do discurso de ódio racial.
Os países subdesenvolvidos lutam contra a fome, o desemprego, a doença, a ausência de um estado social que cuide dos seus concidadãos. Assistimos a um mundo com grandes lacunas na equidade de acesso ao sistema de saúde, quando existente. A pandemia da infeção por Covid-19 veio acentuar estas diferenças, desde o acesso aos cuidados de saúde, a capacidade de resposta do mesmo e no acesso à vacina.
Um indivíduo acometido pela doença, fragilizado, tem forçosamente de ser visto no seio de um grupo prioritário de atuação e de proteção dos seus direitos, enquanto pessoa e doente. O direito a medidas preventivas, a cuidados de acesso, o direito à informação, ao consentimento, à livre escolha, à privacidade e confidencialidade, ao respeito pelo seu tempo, ao cumprimento de padrões de qualidade na assistência médica, o direito à segurança, o direito à inovação, o direito a evitar a dor e o sofrimento desnecessários, o direito a tratamento personalizado, o direito a cuidados de fim de vida condignos.
A doença oncológica tem um grande impacto na vida dos doentes e das famílias, com consequências a nível físico, emocional, económico, laboral. Sabemos que a incidência e a prevalência da doença oncológica está a aumentar a nível mundial. Ainda não existe equidade no acesso a meios de diagnóstico, tratamento e cuidados em oncologia. Há desigualdades muito acentuadas. Os tempos de espera elevados para exames de rastreio, de diagnóstico e para cirurgia colocam em causa o prognóstico da doença.
Existe uma necessidade de aumentar a literacia em saúde e a compreensão sobre a doença. Devemos apostar na promoção da saúde e na prevenção da doença, não esquecendo os sobreviventes e os seus cuidadores e a necessidade de os proteger e cuidar, ajudar no seu regresso à vida normal, ao seu trabalho.
Com tudo isto, percebe-se que a batalha da defesa dos direitos humanos deve estar na ordem do dia. Exige esforço, vigilância, luta e persistência. Está em cada um de nós e nos que nos rodeiam, por influência direta ou indireta. O mundo mudou com a pandemia e acordou numa guerra. Saibamos lutar por um mundo melhor.
Texto publicado originalmente na edição n.º13 do HajaSaúde