Haja Alumni: Tiago Monteiro Brás

Haja Alumni: Tiago Monteiro Brás

Tiago Monteiro Brás “No primeiro mês em Philadelphia, a minha chefe disse que fazia as experiências à europeu”

Entraste em Medicina aqui, na Universidade do Minho, já depois de um percurso ligado à música. Como foi a tua entrada e também a experiência de estudar cá?
Sim, falando um pouco na música, já que tocaste nesse ponto, eu comecei a aprender piano com cerca de dez anos numa escola praticamente da minha rua. Isto tudo por causa do professor de música na escola: nós tocávamos flauta, ele tocava piano, e ficava fascinado com aquilo. Já quando tinha 12 anos passei para uma escola ligada ao conservatório, o que fez com que quando fosse a altura de ir para a faculdade só tivesse o 6.º grau de piano – não tinha o 8.º, como quem começa a formação aos dez anos. Aos 14, comecei também a tocar guitarra – os adolescentes todos querem tocar guitarra por volta dessa idade [risos]. Mas quando cheguei ao 12.º ano era um bocado os “3 M”: ou vou para Música, ou vou para Medicina, ou vou para Matemática. Matemática era a área que mais gostava de estudar. Tinha, claro, um fascínio pela biologia como a maioria das pessoas que vai para Medicina tem, mas sobretudo até a parte de investigação em Biologia. Mas era a investigação aos olhos de quem tem 18 anos, que não sabe bem o que é investigação. Lembro-me até de ir ao IPATIMUP falar com uma filha de um amigo do meu pai que era de Biologia e também de falar com alguns médicos, e na altura fiquei com a ideia que para investigação ainda contava muito vir da Medicina.

Vir da Medicina no sentido de vir do hospital?
Ou porque traz as questões do hospital porque lidas com os pacientes diariamente. Ou, por outro lado, a ideia que me passava – não sei se é tão verdade agora – é que havia um certo status quo do médico que investiga. Não sei até que ponto isso é real. Mas, na altura, notei também que isso me dava uma coisa extra para fazer: podia dedicar-me à clínica a tempo inteiro. Não precisava de estar necessariamente só no laboratório. Sempre que eu idealizava a investigação, pensava em coisas como HIV, cancro. O cancro era uma bola que englobava tudo. E são tópicos claramente clínicos com influência direta nas pessoas. Na altura tinha boas notas e falaram-me que devia considerar Medicina. Eu comecei a ver e fiquei com esse fascínio também, nessa altura optei por Medicina. Uma das coisas, já agora, que me afastou da Música foi que quando começa a pensar como algo a tempo inteiro, ficava com menos paciência para tocar piano. Tens oito peças para aprender por semestre, é algo mais pesado… Optei então por Medicina, na altura, como te disse, como sou do Porto, candidatei-me às faculdades daqui. A Escola de Medicina em Braga estava penso que no nono ano de vida e não ouvia, no dia-a-dia de um estudante de secundário, não ouvia falar nem de Braga, nem de Coimbra sequer. Sabia que era uma escola nova. E então acabei por colocar por distribuição geográfica – e depois entrei em Braga. Já tinha uma conhecida que estava no 2.º ano do curso, falei com ela, e fiquei mais entusiasmado pela ideia de ir para Braga. Mudo-me para Braga para viver e comecei até a comparar a experiência com amigos meus que entraram noutras faculdades, especialmente no distanciamento que nós não tínhamos com os professores. Ou seja, nós conseguíamos muito mais abertamente falar com alguns professores e eles tinham de fazer aqueles e-mails pomposos para falar com os deles [risos]. Sentia um pouco a ideia de que estava a aprender algo mais direcionado. Lembro-me do 1.º e do 2.º ano, nós não tínhamos Anatomia, estávamos a ter SOF e eu sentia “isto vai ter impacto naquilo que eu quero fazer mais à frente”. E esse sentimento é algo que fui sentindo durante o curso. Naturalmente há sempre matérias que olhas e pensas “estou a aprender isto e não sei que impacto terá”. Mas especialmente nos primeiros anos, esse ‘cheirinho’ do que vai ser mais à frente é importante.

Antes de irmos à investigação, que é uma parte fulcral no teu percurso, voltamos à música. Deixas a música um pouco de parte durante o curso ou vais conciliando?
Não voltei às aulas. Não conseguia ter aulas de música ao mesmo tempo. Mas já no primeiro ano comprei um piano e levei para Braga. Durante o curso, tínhamos as galas de talentos e participei em todas e fazia um dueto com um amigo meu que tocava guitarra.

As artes e as humanidades é algo que procuramos que tenha impacto. Sentes que o piano como hobbie também ajudou no percurso?
É sempre uma forma de descomprimir. Às vezes, retirar uma hora do teu dia, ou chegaste a casa de estudar e já não dá mais, vais tocar um bocado de piano. Tinha um piano digital, podia meter os fones e tocar a noite inteira que ninguém me ia chatear. Eu acho que isso é bom até para quando estás mais nervoso e acabas por usar o piano como escape. Mas de resto, não interessa bem o hobbie, acaba por servir o mesmo propósito. A música relaciona-se muito com a matemática, daí também o meu gosto pela matemática. Na prática aquilo é um conjunto de intervalos com que vais brincando um bocado e consegues fazer harmonias e melodias baseado em intervalos. É uma arte, não é estanque, mas tem esse lado matemático.

Tínhamos falado antes que o teu interesse pela investigação surge quando entras na Escola…
Lembro-me logo no primeiro dia, foi o professor João Bessa que nos fez uma tour pela Escola e levou-nos aos laboratórios e eu, na fila da frente, e perguntei logo se os alunos podiam participar. Ele disse que sim, que os alunos eram obviamente bem-recebidos se quiséssemos ir. E logo no primeiro ano, tínhamos Projeto de Opção que eu aproveitei para ir trabalhar com o professor João Cerqueira em esclerose múltipla. Foi o meu primeiro contacto com a ciência e usei isso um pouco como teste. Já tinha ouvido falar do MD/PhD e queria testar as áreas. Fiz isso, gostei, fui às neurociências fazer um projeto e depois quis experimentar as outras. No segundo ano decidi fazer um projeto de opção em clínica, no São João, em cardiologia pediátrica, que era uma área que não tínhamos no curso. E depois nesse ano, voltei a fazer um projeto de opção em neurociências. O primeiro era mais celular, era com amostras de pacientes. O segundo já foi tentar perceber a modulação cognitiva em modelos animais. Aqui já na equipa do professor José Miguel Pêgo, com o professor António Melo.

E foi nestes dois primeiros projetos que percebeste que era aí que querias mesmo investigação.
Eu percebi que tinha muito interesse na investigação, no método científico, e em saber mais daquilo, que queria participar mais e ter mais competências. A solidificação desse processo acaba por ser do 3.º para o 4.º ano, quando faço o projeto com a professora Margarida [Correia-Neves] sobre as células T reguladoras no contexto da infeção por HIV, sob alçada da Dra. Ana Horta. No 4.º ano entrei na parte mais clínica. E a maior parte dos meus colegas entrou a pensar “ok, agora estou a ir para o hospital, de bata, estetoscópio, a ver doentes”. E eu sempre gostei muito do ambiente de faculdade, gostava mais de andar por cá, discutir as questões teóricas, falar com as pessoas. Cheguei ao hospital e não era assim tão interessante. Claro que de uma perspetiva errada. No 4.º ano, muitas vezes estávamos no que enquanto alunos chamávamos “segurar paredes”. Porque muitas vezes estás a fazer um trabalho que não era bem o que querias fazer, mas agora olhas para trás e tem impacto no que és agora. Como a questão das histórias clínicas, acaba por ficar enraizado em ti. Isso desanimou-me um pouco na altura. Depois fui para o MD/PhD no final do 5.º ano e quando volto para o 6.º ano, a maneira como encaro a clínica é completamente diferente, seja por estar mais velho, seja por ter outro tipo de contacto. E áreas que não gostava passei a gostar. A minha primeira rotação, por exemplo, foi cirurgia e eu nunca fui ligado a esta área e gostei bastante e sentia que era independente. Mas regressando ao 3.º ano, fiz esse projeto com a professora Margarida, fico com uma relação melhor com a professora Margarida e acabo por gostar bastante da área da microbiologia e imunologia, e no final do 5.º ano decido concorrer ao MD/PhD.

O MD/PhD acaba por ser uma oportunidade única, mas acaba por ser uma decisão muito complicada de se tomar, por parar o curso para fazer o doutoramento. E como correu a experiência em Philadelphia, na Universidade Thomas Jefferson?
A decisão já era algo que se previa, mesmo cá em casa já tinha falado com os meus pais. Obviamente que é uma decisão difícil e o meu ano, bem como os anos próximos, ainda mais difícil, devido à pressão do constante aumento do numerus clausus e de muita gente entrar em Medicina e pensávamos “se eu adiar isto quatro anos, vou ter de tirar uma nota muito melhor no exame para ter uma especialidade”. Esse creio que era o ponto com que nos preocupávamos mais. Mas também voltamos e somos os únicos cinco que temos doutoramento – e isso contará para alguma coisa. Claro que na especialidade não conta muito, porque é basicamente pelo exame de acesso – noutros países fazem entrevistas e aí sim contaria muito mais este doutoramento. Depois depende também da especialidade que escolheres, mas existe sempre uma lógica do serviço de que é bom teres um doutoramento ou ires fazer doutoramento. A parte formativa e, por exemplo, dar aulas numa faculdade sempre foi uma coisa que me atraiu muito – lá está, volto àquela ideia de gostar do ambiente de faculdade. Sempre achei que, para além de ter a oportunidade de parar quatro anos e dedicar-me a 100% a fazer ciência, aprender mais – e que é uma oportunidade que nunca mais tens. Pensei que se não fosse agora, não o faria nunca. E no futuro, este doutoramento acaba por te distinguir e ser uma mais-valia.

E claramente não te arrependeste.
Não, não. O doutoramento, como tudo, não corre sempre às mil maravilhas, mas olhando para trás, na mesma situação, tinha ido na mesma.

Quais foram as melhores coisas do MD/PhD? Estar num laboratório nos Estados Unidos da América, por exemplo?
Acho que dizer que ir para o estrangeiro não importa é um bocado hipócrita, porque era uma as coisas que mais me fascinava e em termos de crescimento pessoal é sem dúvida importante. Eu, com 17 anos, saio para Braga, mas estou a 30 minutos de casa. Em Philadelphia é do outro lado do Atlântico. O crescimento pessoal é muito importante e notas isso ao vires. As pessoas que ficaram também cresceram, mas acho que mudas mais lá fora. Depois também tens contacto com o fazer ciência num país completamente diferente e num país como os Estados Unidos que, com os seus defeitos, em termos científicos apostam muito mais que a União Europeia ou Portugal. Mesmo a questão de fazer experiências: planeias, encomendas e dois dias depois executas. A minha chefe era francesa e ela dizia-me no primeiro mês que fazia as “experiências à europeu” e que ela própria tinha sofrido disso quando chegou ao laboratório. A ideia de que tu vais ler e planear tudo ao mais ínfimo detalhe para a experiência correr bem à primeira. Mas ali não era assim que se fazia. Ali achavas a maneira como achavas mais correta de fazeres e fazias. O importante era fazer. Erraste? Vamos ver o que erraste e voltamos a fazer. É um pouco a lógica de quem não tem falta de material ou o mesmo não demora um mês a chegar. É algo engraçado a nível de diferenças culturais. E nesse aspeto, vivia numa cidade grande e morava numa residência americana e, portanto, a maioria dos meus amigos não eram sequer americanos. Tinha alguns de outros estados, um grande amigo meu era do Texas, mas a maioria era da Índia, Irão, Jordânia, Malásia. Eram culturas diferentes, com que não tinha contacto nenhum em Portugal, e com que depois por descobrir tradições e tudo mais.

Aí também o crescimento pessoal de outras ligações que não poderias fazer fora dali, provavelmente.
Sim, claramente. O ponto principal do MD/PhD é mesmo a oportunidade de te dar quatro anos em exclusivo para te dedicares ao doutoramento. E é difícil fazer o que nós fizemos enquanto fores médicos – e essa é a vantagem principal.

Para terminar, queria saber que conselhos darias a quem quer ingressar em Medicina na Universidade do Minho.
É engraçado porque eu tenho uma irmã mais nova que está neste momento a estudar para a Prova Nacional de Acesso, acabou o 6.º ano agora na FMUP. E eu disse-lhe na altura para vir para Braga. Não sei se por teimosia de não ir atrás do irmão optou por ficar no Porto [risos]. Não gosto de falar mal de outras faculdades, porque não vivenciei, mas consigo comparar. E noto que a grande vantagem de Braga, a não ser que as outras tenham mudado muito, é o contacto clínico que nós temos. Desde o 1.º ano que tínhamos uma semana de centro de saúde. Não parece ser muito, mas é qualquer coisa para mostrar que este ano em que estiveste a aprender vai culminar em vires ver doentes. O nível de contacto que temos com doentes e a questão adicional de termos doentes estandardizados estão muito acima. A grande vantagem é este contacto para quem quer mesmo ser médico e as ferramentas que a Escola te dá para este objetivo. Adicionalmente, e agora estou numa posição diferente por estar há muito tempo ligado à Escola, mas sinto que os professores continuam a ser sempre muito abertos para que possas interagir com eles e isso é ótimo. E ainda tens um laboratório que está no mesmo edifício que a Escola, atravessas um átrio, sobes as escadas e estás lá. A possibilidade de ires a aulas e aos laboratórios existe e é bom para quem também quer esta vertente. Para os alunos mais novos, o que costumo aconselhar, e se calhar não gostas mesmo de investigação nem tens que gostar, é que usem um projeto ou uma rotação de verão e passem um verão lá. Pode ser ótimo, para provar que não gostam mesmo, ou para descobrir outras áreas de interesse.

Tiago Monteiro Brás, alumnus da Escola de Medicina  da Universidade do Minho
Texto publicado originalmente na edição n.º11 do HajaSaúde

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