Haja Alumni: Pedro Morgado

Haja Alumni: Pedro Morgado

A saúde mental tem sido um dos tópicos mais abordados quando falamos de pandemia. É, inclusive, falada como uma nova pandemia que poderá suceder ao vírus. Pedro Morgado, professor e investigador da Escola de Medicina da Universidade do Minho, tem sido uma das vozes mais ativas pela promoção da saúde mental e estudo dos efeitos provocados pelo confinamento.

A pandemia deu um palco maior à saúde mental. Mas esta “epidemia da saúde mental”, como já vimos apelidada em vários jornais, é nova ou só agora é que começámos a olhar para ela?
A pandemia fez com que experienciássemos sintomas a que não estávamos habituados. A ansiedade e o stress dominaram as primeiras respostas, mas acabaram por criar condições para nos adaptarmos melhor. Penso que poderá existir um aumento do número de pessoas que sofrem de doenças psiquiátricas e que, por isso, necessitam de uma maior atenção e cuidados de saúde.

No seguimento, este ano trouxe maior consciencialização – e eventualmente menor estigma?
Penso que a pandemia democratizou a experiência de sofrimento psicológico e aumentou o conhecimento acerca das doenças psiquiátricas. Sem dúvida que o estigma sobre as doenças psiquiátricas está a diminuir de forma significativa por via desta maior informação acerca do funcionamento psicológico das pessoas.

De acordo com o estudo epidemiológico em Portugal (coordenado por Miguel Xavier e José Miguel Caldas Almeida) a prevalência de doença psiquiátrica está nos 22,9% – o segundo maior valor da Europa. Como é que isto se justifica? Maior diagnóstico?
Há várias razões mas penso que a justificação assenta sobretudo nos fatores sociais e culturais. Temos graves problemas de pobreza e desigualdade social; temos más condições habitacionais; e trabalhamos demasiadas horas. Além disso, temos uma vivência da doença que favorece o aparecimento e perpetuação de alguns quadros psiquiátricos.

Juntamos esta grande prevalência com uma clara falta de aposta – ou de investimento – em saúde mental e psiquiatria. Miguel Xavier, diretor do Programa Nacional de Saúde Mental, adiantou ao Público, que os 85 milhões destinados à saúde mental seriam destinados a uma reconfiguração de estruturas (criação de unidades móveis e reforço dos recursos humanos) e oferta de programas à população com o intuito de diminuir o internamento. Isto é suficiente? Parecem faltar neste plano estratégias para a literacia ou até para o quadro laboral, por exemplo…
A criação de equipas multidisciplinares é fundamental para montar as respostas em saúde mental de que o país precisa. Mais do que medidas avulsas e centradas no interesse de uma outra classe profissional, o que precisamos é de uma rede de prestação que seja coerente e que tenha objetivos comuns, garantindo a continuidade, a qualidade e a universalidade dos cuidados. Isso é o desafio fundamental para cuidarmos das pessoas que já têm doenças psiquiátricas. No que respeita à promoção da saúde, as medidas têm que ser muito mais abrangentes e envolver diferentes atores sociais, da educação à comunicação social, incluindo também o setor da saúde, nomeadamente nos cuidados de saúde primários. Essa mudança requer mais tempo para adoção estrutural de novas formas de enfrentar a realidade, de expressar emoções, de organizar o trabalho, de gerir as tarefas familiares e de integrar as pessoas mais vulneráveis. Essa mudança é da sociedade toda e não das classes profissionais que atuam na saúde. A sociedade não se transforma dentro dos consultórios.

Por fim, a saúde mental, como fomos falando, tem sido negligenciada. Em que medida é que isso também se deve a fenómenos como o reiki, naturopatias – terapias sem base científica que acabam por atrair pessoas com problemas de saúde mental em busca de ajuda?
A saúde mental é estigmatizada por todos. Em parte, devido ao medo destas doenças e em parte devido ao desconhecimento que existe acerca delas. Nas próprias instituições de saúde existe muito estigma e muita ignorância, o que se manifesta na desvalorização sistemática do sofrimento das pessoas com doença mental e do trabalho dos profissionais que atuam nesta área. Além disso os recursos são insuficientes para garantir o acompanhamento de que as pessoas necessitam. Todos estes aspetos acabam por favorecer o recurso a técnicas que, sendo fraudulentas, dão o conforto que os pacientes não encontram na medicina convencional. Mas isso não é um exclusivo das doenças psiquiátricas. Também noutras áreas, essas alternativas são populares.

Pedro Morgado, Alumnus da Escola de Medicina da Universidade do Minho e Psiquiatra
Texto publicado originalmente na edição n.º10 do HajaSaúde

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