“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” – José Saramago em Ensaio sobre a Cegueira.

A pandemia da COVID-19 veio acelerar a tomada de ação contra uma problemática antiga, mas que este acontecimento global veio evidenciar, a pandemia de desinformação ou, no neologismo, a infodemia, termo originalmente cunhado por David Rothkopf no Washington Post, em 2003.

Num período da História em que dependemos da comunicação em rede global para nos mantermos em contacto, para atualizarmos conhecimento e até para nos mantermos produtivos, estamos também vulneráveis à disseminação de “factos alternativos” que colocam a saúde de todos em risco.

A desinformação custa vidas. Os exemplos internacionais de recomendação de cloroquina ou ivermectina por altas figuras de Estado denunciam o carácter infiltrante e perigoso que estas campanhas de desinformação podem ter para o combate à pandemia. Mesmo num dos países da Europa que mais tem confiança nas vacinas, como Portugal, não estamos imunes à desinformação, sendo inúmeros os relatos de utentes que recusam ou adiam vacinar-se devido ao alarme social em volta de efeitos secundários de uma vacina em particular e a sua deficiente contextualização, ou fruto de uma desconfiança generalizada em relação às vacinas.

Uma análise recente publicada na Nature sobre a ecologia das interações em Facebook (100 milhões) ligadas ao tema das vacinas revelou que o grupo de anti-vaxxers (4.2 milhões) era pequeno mas muito interativo, principalmente com o grupo de indecisos (74.1 milhões). Já o grupo assumidamente pró-vacina (6.9 milhões), também pequeno, gerava poucas interações com os indecisos e com os anti-vaxxers. Portanto, os pró-vacinas não estão a conseguir chegar aos indecisos, estão mais fechados na sua “bolha”, deixando os indecisos mais vulneráveis ao proselitismo dos anti-vaxxers. Este estudo colheu dados prévios à pandemia da COVID-19, mas é lícito inferir que o problema, no mínimo, se mantém, se não se tiver agudizado. A infodemia grassa e existe uma responsabilidade coletiva de produzir informação simples, clara, com mensagens sensatas e honestas sobre os temas de saúde. E existe também uma responsabilidade individual de melhor escrutínio e literacia digital. A estratégia de produção de mais informação, por mais correta e factual, está gasta, não produz a eficácia pretendida e está a ficar para trás na corrida. Precisamos de imunizar a população contra a infodemia e ainda não descobrimos a fórmula certa.

A Organização Mundial de Saúde lançou o repto: “é preciso achatar a curva da desinformação” e elencou sete passos básicos para evitarmos, médicos, cientistas e público geral, ser contagiados pela infodemia:

1. Avaliar a fonte
2. Ler para lá dos títulos
3. Identificar o autor
4. Verificar a data de publicação
5. Avaliar a evidência que suporta a afirmação
6. Verificar os próprios vieses
7. Consultar os fact-checkers / polígrafos

A incerteza que acompanha a prática médica é talvez um conceito estranho para a população geral, e a noção de risco e o seu significado têm algo de subjetivo, a que nem o médico nem o cientista escapam sem uma boa dose de pragmatismo e frieza.

Perante a incerteza de uma doença nova, ou de um tratamento novo para essa doença nova, o instinto natural, e a própria prudência, levam-nos a sobrevalorizar os riscos ou, no mínimo, a estar mais atentos ao seu surgimento. Mas, numa sociedade de informação em live streaming, não há tempo para ponderar, a comunidade exige uma resposta com certeza no imediato momento a seguir à dúvida. A incerteza que existe em cada resposta científica é algo que a sociedade tem relutância em tolerar. Mas esta imposição de um ritmo mediático à ciência enfraquece-a porque a expõe ao frenesim de informação, que pode ter diferente graus de evidência, diferentes graus de certeza, ou pode até ser, em alguns momentos, contraditória. Isto não é mentira, não é ato deliberado de enganar. Isto é apenas a Ciência a acontecer ao vivo.